quinta-feira, 15 de maio de 2008

Kafka: Um estranho que me causa estranheza e me emociona, sempre.

Estive pensado muito em Kafka de uns dias pra cá. Provavelmente por influência da minha amiga Adriana Tenório, doutoranda em sociologia da UFPE. Ela está cursando uma disciplina oferecida pelo Prof. Jonatas Ferreira sobre Sociologia da Modernidade. Na bibliografia consta um conto do tcheco.
Que conto! “A Colônia Penal”. A primeira vez que li esse pequeno texto descobri o quanto Kafka me causava sentimentos diferentes. Inicialmente, eu percebi que o odiava. Lógico, como ele podia fazer aquilo comigo e me deixar tão mal? Que diabos de escritor era aquele que provocava tanta admiração e mexia tanto comigo. Eu que desenvolvi uma perspectiva cartesiana que buscava sempre um entendimento “total”, mas vislumbrava, sim, saídas e possibilidades de mudança. Mas Kafka também partilha de uma perspectiva cartesiana, oras! Sim, e daí? Esse é o problema, ou a solução. Daí me lembrei de uma música do Alice in Chains, “Love, Hate, Love” escrita por Layne Staley, vocalista da banda em questão morto em 2002 em conseqüência de uma overdose. Layne fez a música para a namorada dele, Demi Parrot, também morta em conseqüência de uma bactéria no coração adquirida por uso de seringas contaminadas. A letra expressa algo próximo ao que sinto em relação a Kafka. E é justamente isso que torna a nossa relação tão conturbada e próxima.

“I tried to love you; I thought I could
I tried to own you; I thought I would
I want to peel the skin from your face
Before the real you lays to waste

You told me I'm the only one
Sweet little angel- you should have run
Lying, crying, dying to leave
Innocence creates my hell

Cheating myself; still you know more
It would be so easy with a whore
Try to understand me little girl
My twisted passion to be your world

Lost inside my sick head
I live for you but I'm not alive
Take my hands before I kill
I still love you, I still burn
Love, hate, love”

Li “Na Colônia Penal” antes de dormir há uns sete anos. Que baque! Não dormi direito e fiquei muito inquieta. O racionalismo, a falta de previsibilidade, o misticismo, o desencantamento do mundo, um pessimismo aparentemente extremo. Tudo isso me pareceu triste demais. Será que não haveria saída para o nosso mundo? Por que as coisas tinham que ser percebidas de forma tão dura? Pensava e lia sempre sobre a possibilidade de uma mudança no status quo capitalista, mas com ele isso parecia inviável.
Na verdade, a mudança radical que tanto sonho (ou sonhava) é realmente inviável pra Kafka, mas as saídas existem. Elas são desenvolvidas por nós mesmos, mas de forma circunscrita e dentro do entendimento das sutilezas, da observação acurada e paciente das possibilidades exíguas, mas que muitas vezes estão próximas de nós e que podem ser praticadas dentro de um processo de auto-reconhecimento. Claro, que isso não é algo inexorável, para ele.
Aí Adriana me fez rever como a modernidade afetou as pessoas de maneira tão distinta. Ele um judeu tcheco filho de um pai rígido e que cobrava tanto do filho cheio de talento. Talento esse desenvolvido ao longo de suas experiências pessoais e intelectuais. Não que eu veja essas instâncias de maneira estanques, mas aí entra minha própria perspectiva e minhas influências teóricas as quais venho tentando me desapegar.
Então eis que fiz a grande descoberta: Eu simplesmente o amo. Tenho grande admiração por suas obras. E a raiva inicial foi causada pela minha própria impaciência em tentar entendê-lo. Minha visão era muito estreita e rasa para tal coisa. Esses eram dois motivos importantes, mas não o maior, o mais relevante. Ele mexia com minha busca por certezas. Gostaria muito de poder entender coisas e acontecimentos que muitas vezes não são suscetíveis de uma explicação absoluta. A vida é cheia de mediações, as pessoas e suas atitudes.
Nada é preto no branco, a vida é complexamente simples. O estranho tcheco que me causou tanta estranheza me fez ver, anos mais tarde, o quanto o estranhamento é importante tanto para o repensar sociológico, como para nossa própria vida. Sem ele nossa existência se torna simplória, na medida em que não paramos para pensar com profundidade o que acontece ao nosso redor. Tomamos as aparências como verdades e caímos nas obviedades, mais palatáveis e acessíveis. Kafka pode ser tudo, ou quase tudo, menos simplório. E a máquina implacável, desenvolvida pelos indivíduos, que escrevia a sentença no corpo do condenado poderia ser modificada ou ter no lugar do condenado, inocente e desconhecedor do crime ao qual fora acusado, liberto pelo seu próprio algoz.

6 comentários:

Anônimo disse...

Eu também tenho uma relação tensa com a escrita de Kafka. Quando lia a Metamorfose, por exemplo, achava estranho sentir empatia pela irmã de Gregor, pois ela, ao menos no início da estória, cumpria o papel do "olhar humanista" que apaziguava a dor embutida no relato do narrador. Depois ela crescia e se transformava num adulto duro, como os outros que maltratavam o monstro-Gregor. E isso me confudia bastante... Quando entrei na UFPE,lembro de Cesar a me fazer um comentário sobre o livro, algo que o relacionava ao sentimento de enclausuramento dado pela burocracia moderna, ao desencantamento do mundo nos moldes weberianos. Eu não tinha visto nada daquilo na minha leitura, mas fiquei impressionado com a possibilidade de ver outros mundos ali...
Hoje percebo que existe um universo de resistência no texto que deve compor com nossas capacidades de leitura e sensibilidade, e desse compor extrair de nossas interpretações alguma justeza. Acho que isso da complexidade e mediação que você fala é muito importante. Kafka nos toca ao revelar essa faces noturnas e complexas de nós mesmos. Achei muito legal esse teu depoimento de leitura. Obrigado.

Anônimo disse...

Eu é que agradeço a leitura. É minha fase introspectiva...

Anônimo disse...

Jampa, obrigado pela mencao ao meu cefichismo...;)))

Anônimo disse...

Ao nosso cefichianismo querido amigo, já que eu fiquei tão impressionado com aquela leitura que você fazia que até hoje quando penso no livro associo ele ao danado do desencantamento do mundo! :)))Você tinha quantos anos ali, 18?

Anônimo disse...

Ler Kafka antes de dormir é no mínimo desaconselhável... mas talvez o efeito tenha sido mais frutífero por causa do momento... e é isso que àcaba sempre acontecendo... a angústia que produz...

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny