quinta-feira, 31 de julho de 2008

Aziz Ab’ Sáber em contraposição ao pedantismo acadêmico

Há duas semanas tive a oportunidade de na SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que ocorreu em Campinas, assistir a uma palestra do maior geógrafo brasileiro vivo, Aziz Ab’ Sáber.
Hoje pela manhã também tive a possibilidade de conferir, infelizmente, a existência de uma diferença absurda e gritante entre a maturidade de um grande educador e pesquisador e a imaturidade e o pedantismo de alguns jovens que pouco ou nada sabem sobre o fazer ciência humana. Aparentemente, e me desculpem os pré-julgamentos que nesse caso me parecem inevitáveis, a falta de uma perspectiva humanística dos jovens com os quais topei.
Poucas vezes na minha curta vida acadêmica tive o privilégio de presenciar uma aula sobre geografia, algo distante do meu campo de pesquisa (o que não deveria ser, mas...). Quando Ab’Saber começou a discorrer sobre suas experiências de pesquisa, o mapa físico, político e econômico do Brasil fora se desenhando na cabeça da maioria dos presentes, tal a sua capacidade de transformar algo difícil de compreender em um exercício cognitivo acessível e de fácil apreensão. A sobreposição desses três aspectos formava um todo bonito de se imaginar, palpável e ao mesmo tempo preocupante, tal a profundidade das diferenças sócio-econômicas existentes no nosso país. Norte e Nordeste foram os focos principais da apresentação dele. A primeira região, por suas pesquisas sobre uma comunidade no Pará e a segunda, por desenvolver uma abordagem, de modo a se posicionar, acerca da transposição do Rio São Francisco. Sem entrar nas explicações sobre os estudos feitos por ele, foi fundamental perceber como Ab’Saber apresentou cientificamente as duas regiões de uma maneira pouco vista. A importância da pesquisa de campo, as leituras, o conhecimento adquirido nos livros, nas pesquisas in loco e nas conversas/entrevistas com a população dos locais pesquisados possibilitaram ao estudioso uma formação científica profunda e sem os preconceitos existentes na minha visão imatura, como fica claro ao me referir aos jovens de perspectiva pouco humanista.
Bem, voltando aos “meus jovens” compreendi logo imediatamente que eles são estudantes de Ciências Sociais da UFPE, portanto, do CFCH. Até o início de agosto, realiza-se na UNICAMP o Encontro Brasileiro de Ciência Política. Os narizes em pé, ou a timidez dos jovens me fizeram voltar a Ab’ Saber e observar que a maturidade e um longo percurso trilhado com uma dose significativa de humildade podem transformar a ciência e o ser que a produz em algo crítico e reflexivo. No meu “achismo” acredito que mesmo que esses estudantes, que provavelmente são bem esforçados academicamente, distanciam-se sobremaneira de um Ab’ Saber. Não na genialidade, mas na capacidade de pensar sobre si mesmos como futuros cientistas e de refletir sobre o que irão produzir.
Ao fim da palestra do Prof. Aziz Ab’Saber, ele fez uma comparação contundente e bela entre um episódio presenciado no Norte do país e outro visto na TV, na cidade de São Paulo. As diferenças que perpassam o Brasil fizeram o pesquisador do alto dos seus 83 anos se emocionar e conseqüentemente emocionar a todos nós. O primeiro estudioso a classificar o território brasileiro em domínios morfoclimáticos foi aplaudido de pé.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Divulgo aqui, acho importante.

Texto retirado na íntegra daqui.

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO, AO SECRETÁRIO DE DEFESA SOCIAL E À SOCIEDADE PERNAMBUCANA
" Vimos, através desta, expressar nosso sentimento de revolta, indignação e dor, diante da perda de nossa querida Duda, Maria Eduarda Ramos de Barros, assassinada na sexta-feira, 18 de julho. De um lado, um sofrimento que nos paralisa frente à crueza dos fatos e à impossibilidade de desfazer uma conduta policial não apenas equivocada, mas violenta e irreparável. De outro lado, o sentimento de revolta que nos impulsiona a gritar, a exigir justiça, a mobilizar a força que é possível para não permitir que Duda seja apenas mais um número a se contabilizar nos índices de violência.
A morte de Duda não foi apenas uma fatalidade, um acidente. Sua morte foi um assassinato provocado pelo despreparo e incompetência da Polícia que, tomando a farda como escudo protetor, resolveu atirar arbitrariamente contra uma família e um adolescente, que, igualmente armado, não atirou, jogando-se no carro das vítimas e abraçando-se com uma criança, tamanha a atrocidade policial. Duda teve seus sonhos, seus projetos, sua vida arrancada e os demais que ali estavam passaram por momentos que não deveriam existir. A que ponto chegamos e a que caminho essa situação de barbárie vai nos levar? O medo é intenso, a revolta diante de um sistema falho é significativa, a dor frente à perda é inominável. A consternação diante da faixa estampada no velório é absurda! "Tirem a PM das ruas. Os bandidos MATAM menos".
O art. 13º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida pela ONU e adotada, desde o princípio, pelo Brasil, enuncia que "Toda pessoa tem o direito de livremente circular". Ainda, nossa Constituição Federal de 1988 reza, no art. 5º, XV, que "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". Curioso que, em plenos aniversários da Declaração e da nossa Constituição, respectivamente com 60 e 20 anos, este direito esteja sendo cada vez mais arrancado dos seus cidadãos, que deixam de sair para confraternizar com amigos, que mudam horários e roteiros, que impedem seus filhos de viver uma vida normal por causa do pavor de ultrapassar os portões de casa.
Recorremos, nesse momento, a quem podemos recorrer, ao Estado de Pernambuco, à Secretaria de Defesa Social, em busca de uma resposta, de um posicionamento, da segurança de uma postura que transmita confiança e, sobretudo, imparcialidade frente às investigações do dano causado não apenas à nossa família, mas aos brasileiros, que se sentem acuados, amedrontados, inseguros e que se solidarizam e compartilham de nosso sofrimento. Não podemos deixar de citar nossas crianças brasileiras que se apresentam confusas e assustadas. Que referencial de segurança pública podemos apresentar-lhes?
O episódio ocorrido, em poucos dias, sairá das manchetes dos jornais e das redes televisivas, mas permanecerá como uma marca na vida de toda uma família e na memória dos brasileiros que, cada vez mais, amedrontam-se diante de uma Lei e de uma instituição policial enfraquecidas.
Uma tragédia que vem a refletir, não apenas o ato inconseqüente de dois cidadãos, armados e autorizados pelo Estado a garantir a segurança da população, mas também um furo e um equívoco do sistema de segurança de nosso País. E, uma vez tendo ocorrido em Recife, denuncia e corrobora o elevado índice de violência que nós, pernambucanos, temos enfrentado, exigindo, para tanto, a responsabilização e a punição, não apenas dos dois policiais, mas a implicação da instituição como um todo. Uma intervenção para que outras Dudas e outras famílias não venham a pagar por faltas, incompetências e irresponsabilidades que não lhes são concernentes.
Em contato com o Plano Estadual de Segurança Pública (PESP-PE), elaborado em 2007, deparamo-nos com o Projeto Pacto pela Vida, um projeto muito bem redigido e articulado entre vários atores sociais - a Polícia é um deles - engajados com a questão da segurança à população pernambucana. "Reduzir a violência, com ênfase na diminuição dos crimes contra a vida" é seu objetivo fundamental. O direito à vida é apontado como principal meta, além de outros valores, dos quais citamos: a qualificação da dimensão repressiva e coercitiva com uma forte ênfase sobre os aspectos de prevenção social e específica da criminalidade violenta; e a transversalidade e integralidade das ações de segurança pública a serem executadas por todas as Secretarias de Estado de forma não fragmentada.
Na página 63, é destacado que "[...] a coercitividade está incorporada como eixo central do PESP-PE e está diretamente relacionada à garantia da realização dos direitos humanos, especialmente dos direitos à vida e à liberdade. Contudo, a repressão em condições da criminalidade moderna e sofisticada não deve ser reativa, mas pró-ativa [...] o efeito resultante é a obtenção da segurança como um bem público universalizado. [...]" Acrescenta abaixo que essa eficiência e eficácia contribuem para a "alteração positiva da percepção da população sobre a capacidade de resposta estatal ao problema da violência". (p.63)
Constatamos a ênfase, na página 90, na melhoria da percepção da sociedade a respeito dos policiais militares como objetivo do Projeto Comunicação Social PMPE; e, mais adiante, na página 94, o estabelecimento de procedimentos operacionais padrão para orientar o exercício das funções da PMPE, levando em consideração o respeito aos Direitos Humanos, como objetivo do Projeto Procedimento Operacional Padrão (POP).
De posse desse material, que, assim o esperamos, deve estar trazendo resultados para a população pernambucana, é inconcebível pensar que, mais de um ano após sua implementação, tenhamos que enfrentar tragédias como a morte de Duda e, não esqueçamos, o profundo ferimento físico e psicológico às demais pessoas também atingidas. Uma atuação que fere a conduta humana de um policial e transgride os princípios do referido documento, passando a ser questionado o uso que vem sendo dele feito nas várias instâncias do governo.

A Polícia, nesses casos, aumenta o índice de violência, ao invés de trabalhar a favor de sua redução e do direito à vida, como tão claramente apregoa o Plano Estadual. Que percepção esperam de nós a esse respeito?
O que cantar, agora, em glória e louvor a Pernambuco? Terra linda, com certeza! Temos uma riqueza cultural incrível que o Senhor, Governador, está sabiamente conduzindo propostas de uma maior atração para o turismo pernambucano. Todavia, pensamos que turista não busca apenas a "terra dos altos coqueiros de beleza estendal!", conforme descreve Oscar Brandão, no Hino de Pernambuco. O que pensar de uma terra que está no índice de uma das regiões mais violentas do país? A tragédia surgiu não daqueles que compõem esse índice, numa perspectiva epidemiológica, mas da instituição que, supostamente, existe para proteger a população. "Nova Roma de bravos guerreiros"? Talvez verdadeiros guerreiros lutassem, sim, pela imortalidade de Pernambuco, como sugere seu hino. Os atuais "guerreiros-policiais" parecem buscar o seu oposto.
Em site da Internet lê-se: "Maria Eduarda foi apenas mais uma vítima de sucessivos equívocos (ou "cagada", na palavra de um PM) da polícia nas últimas semanas". Gíria infeliz essa; mais infelizes os PMs que dela se utilizam para se referirem ao assassinato de uma criança. Lamentável... Fica o desejo de que Duda, assim como João Roberto, Rafaeli e Luiz Carlos, entre outros, não sejam "apenas" mais uma vítima, mas que representem o urgente processo que dê um basta à violência em nosso País.
Ratificamos aqui a necessidade e a exigência de que a justiça diante da injustiça cometida pelos (ir)responsáveis pela morte de Duda seja feita.Recife, 25 de Julho de 2008.
Família indignada de DUDA e seus amigos.Pernambucanos igualmente indignados”

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Bataman Gay e Algumas questões sobre o A Dominação Masculina

Fui ontem assistir ao novo Bantman. Gostei e não vou comentar muito do filme para não ser estraga-prazer: “o mocinho morre no final, o mocinho morre no final, o mocinho morre no final!”. E o mocinho não é Batman, entendem?

Na verdade ter visto “O Cavaleiro das Trevas” é mais um pretexto para falar outra coisa: o tratamento analítico de política dos movimentos de homossexuais. Um tema que é de difícil abordagem, entendam! Mas não seria nada ruim usar Batman como ensejo, uma vez que a personagem central do filme vive a maior das antinomias experimentada pelos movimentos gay e lésbico: o dilema da visibilidade e o da invisibilidade no espaço público. O que é uma ótima dica de leitura do filme, não acham?

Bem, como diria Paulo Honório. Continuemos.

Eu concordo e não é de hoje com a seguinte afirmativa: “o movimento gay e lésbico põe ao mesmo tempo tacitamente, pela existência de suas ações simbólicas, e explicitamente, pelos discursos e as teorias que ele produz ou os quais ele dá vazão, certo número de questões que estão entre as mais importantes das ciências sociais e, algumas delas, são realmente novas.” (Bourdieu, 1998, anexo).*

Mas antes de concordar com tal afirmativa eu já tinha essa intuição. No ano em que entrei na universidade (1998) terminei sendo motivo de brincadeiras de amigos por ter defendido a idéia segundo a qual o “homossexualismo era um assunto importante para a sociologia”.

Dessa forma esse tema me parece ser dos mais importantes não apenas pela dificuldade específica de tratar de categorias que “definem” ou “se definem” a partir de critérios tão difíceis de “fixar” como “gays” ou “lésbicas”, mas também pela dinâmica mesma de ter que enfrentar, socialmente, enquanto homem e hetero que sou, os medos e receios que a própria sociedade criou para mim e que eu assimilei e reproduzo de varias maneiras.

Resumo na pergunta que faz Bourdieu em seu texto sobre o assunto o que existe de difícil na abordagem sociológica de classificação e categorização dos movimentos gay e lésbico: “se deve tomar como critério as práticas sexuais – mas quais, as declaradas ou as escondidas, efetivas ou potenciais, a freqüência em certos lugares, um certo estilo de vida?” (Ibid,1998, anexo). Vejam que essa dificuldade especifica não existe de maneira tão evidente quando se fala de feminismo porque a “feminilidade” se caracteriza aquém e além das práticas sexuais.

A própria dificuldade de abordar o tema com as ferramentas usuais da sociologia, por si só, já traria um largo leque de possibilidades heurísticas do ponto de vista da produção do conhecimento sobre o social. Mas apesar de todo esse campo de possibilidades novas, eu gostaria de me ater aqui a algo que antecede esses problemas no livro supracitado: o ponto de vista de Bourdieu sobre o feminismo porque, por desconhecimento ou má vontade, ou mesmo por exagero feminista, sua reflexão sobre o assunto, que é tributária de seu trabalho mais extensivo sobre outros domínios do mundo social, foi julgada como uma visão meramente “masculinista” tirando a atenção do essencial em sua argumentação.
Contexto de minha opinião

Tive a oportunidade de durante o meu doutorado participar de alguns seminários de aula com Betânia Ávila do SOS Corpo. Nas poucas e boas conversas que tive com ela pude falar da perspectiva analítica a qual Bourdieu encarnava. Naquele momento de sua vida, que é o momento em que ele escreve o La domination Masculine, cujo anexo elabora algumas reflexões sobre o movimento gay e lésbico as quais me referi, ele está admitindo uma postura política mais forte e mais “engajada” do que a que ele admitia para si em épocas remotas de sua produção acadêmica (ler a esse respeito o artigo de Jean-Claude Passeron “ Mort d um ami disparition d um penseur” que foi publicado em português no livro Trabalhar com Bourdieu). Nessa visão tardia de Bourdieu de ciência não se pode perder de vista, no meu entender, aquilo que o sociólogo entendia como função da sociologia crítica, que é derivada da reflexividade específica de uma sociologia dos condicionamentos sociais e de daquilo que ela pode produzir.

Explico-me. Uma das críticas que mais ouço a respeito do A Dominação Masculina é que o autor não fala em seu livro das mulheres, mas, como diz o título do livro, da dominação masculina, ou seja, do homem. Ora, por má fé ou preciosismo de linguagem, não se percebe com esse tipo de crítica algo essencial na postura crítica de uma sociologia que visava captar condicionamentos com vista ao entendimento mais preciso do que Bourdieu chamava de efeito de doxa, em bom português: tudo aquilo das lógicas de funcionamento do mundo social que faz que as obrigações e interdições do mundo sejam de alguma maneira respeitadas, fazendo que os atos de subversão e delitos (portanto visados pelas feministas como instrumentos políticos de transformação de um estado de coisas dado) sejam encarados como “exceções”, ou como “loucuras”, “desvarios”.

Como exemplo dessa visão de ciência dele, vou trazer a metáfora que Bourdieu usara para falar dos efeitos que possivelmente ele gostaria de ver a sociologia produzindo, principalmente a dele. Falando do sonho que a especie humana sempre nutriu pela idéia de voar (pensando em Icaro), Bourdieu lembrava que foi estudando a gravidade, ou seja, todos os condicionamentos que fazem o homem(enquanto espécie) se manter colado ao chão, que se abriu a possibilidade para realização desse sonho. Pois bem, Bourdieu tem consciência de que entre o conhecimento dos condicionamentos sociais e a liberdade que esse conhecimento pode ajudar a produzir existe um vasto hiato que só pode ser alcançado por uma atitude política diante do próprio conhecimento e do mundo. Mas concebe que a sociologia deva estudar aquilo que produz a necessidade do feminismo, a gravidade que limita o vôo da mulher, a dominação masculina.

É desse ponto de vista que as qualidades e defeitos do livro deveriam ser tomados, acredito.
Fico aqui com um trecho muito bonito do livro, quase lírico, lírico a seu modo evidentemente, onde Bourdieu fala sobre nada mais nada menos que o amor:

“[...] o corte com a ordem ordinária não se completa de um só golpe e de uma vez por todas. Ele se faz somente por um trabalho de todos os instantes, sempre recomeçado, que talvez arranque das águas frias do calculo, da violência e do interesse “da ilha encantada” do amor, esse mundo fechado e perfeitamente autárquico que é o lugar de uma série continua de milagres: aquele da não-violência, que torna possível a instauração de relações fundadas sobre a plena reciprocidade e autorizando o abandono e a reencontro (remise de soi) de si; aquele do reconhecimento mutuo, que permite, como disse Sartre, de se sentir “justificado de existir”, assumido, até dentro de suas particularidades as mais contingentes ou as mais negativas, dentro e por uma espécie de absolutização arbitrária do arbitrário de um encontro (“porque era ele, porque era eu”); aquele do desinteresse que torna possível as relações desistrumentalizadas, fundadas na felicidade de dar felicidade (bonheur de donner du bonheur), de encontrar dentro do maravilhar-se com o outro, notadamente no emaravilhamento que ele suscita, as razões inesgotáveis para maravilhar-se.” (Bourdieu, 1998, p.117) *

PS: Depois comento o anexo do livro que se chama “Questões Sobre o Movimento Gay e Lésbico” e que acho muito interessante. Sobre o que acontece atualmente em Pindorama sobre o assunto, texto interessante aqui.
*BOUDIEU, Pierre.(1998) La Domination Masculine, Paris, Seuil.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Vigilância Sanitária

Estava relendo umas coisas sobre metodologia da pesquisa na sociologia para reavivar a memória com alguns procedimentos quando me deparei com a seguinte frase:



“ A educação do pensamento científico ganharia em explicitar essa vigilância da vigilância que é a nítida consciência da aplicação rigorosa de um método. No caso, o método bem designado desempenha o papel de um superego bem psicanalisado no sentido em que os erros aparecem em uma atmosfera serena; além de não serem dolorosos, são sobretudo educativos.” (G. Bachelard... em algum lugar do Racionalismo Aplicado.Meus itálicos).


Eu já havia lido isso antes. Meu projeto de tese foi formulado em cima dessa postura da “vigilância da vigilância” por acreditar que em sociologia, mais do que em outras disciplinas, os métodos escolhidos informam sobre o tipo de conhecimento a ser elaborado. E que os erros de procedimento, que só podem ser julgados se comparados a outros, são os motores do rigor e da qualidade do trabalho propriamente analítico. Dessa forma historicizei meu projeto sendo sua própria feitura uma genealogia dos procedimentos e das escolhas adotadas para construção de minha problemática de estudo e objeto. Resultado: fui questionado a respeito da forma (que não trazia a clareza –respostas- de como as tarefas iriam ser realizadas) e do conteúdo (ora eu tinha dois objetos de estudo e não um, ora eu não tinha nemnhum objeto de estudo nítido). Além disso, ouvi uma piada a respeito da vigilância sanitária, que não levei a sério porque imagino que algumas posturas intelectuais podem realmente servir de profilaxia no domínio da produção de idéias.

Mas o que me veio a mente ao reler isso é que nunca havia dado a devida importância ao paralelo feito por Bacherlard entre o processo de produção do conhecimento e a psicanálise. “Erros aparecidos numa atsmosfera serena” ecoam aos meus ouvidos como um pedido, uma súplica por um contexto de produção que se assemelhe mais com a “situação de análise” de uma relação psicanalítica. Lugar onde na “suspensão das dores” encontraríamos forças para “compreendermos melhor a nós mesmos” porque o confrotar-se consigo mesmo, nos termos novos da relação analítica, impõe limites ao superego, numa vigilância da vigilância pacificadora do Eu.