segunda-feira, 12 de maio de 2008

Cefichianismo: meu monólogo ao pé do ouvido

Poderia dar gritos, espernear, chorar e explodir de raiva a cada vez que penso nas coisas que me incomodam nas maneiras de entender a sociologia no PPGS. O problema é que, como doutorando, ao mesmo tempo eu faço e não faço parte dessa instituição. Fazendo parte, não posso e não devo negar completamente como e o que se faz nela, nem a partir dela. Seria hipócrita e inconsistente aceitar pertencer a algo que não se acredita em absolutamente nada de sua natureza. A máxima que diz “nos formamos graças e apesar das instituições as quais estamos inseridos” apenas ganha em pertinência na medida em que se afirma o que se pode afirmar e se nega o que se pode negar. Só se pode rejeitar com legitimidade alguma coisa até certo ponto. E é lá onde nosso pertencimento ainda autoriza uma negação de ordem crítica desse próprio pertencimento. Se fizesse um tipo de negação total, fugindo às regras do jogo, eu poderia a justo título ser classificado como intelectual aculturado e sem lugar de ser, alguém apenas deslumbrado pelo “jeito francês de sociologar” e avesso ao modo e ao mundo de produção de idéias onde hoje estou inserido e tento começar uma carreira. Já não estaria mais aqui quem falou, como se diz.
O problema que se coloca para mim é, assim, o de saber em que medida as críticas que faço podem ser feitas. E isso em dois sentidos nas condições que me são dadas: 1- o de poder ter as condições de elaborar um discurso crítico embasado não apenas na minha experiência de doutorando, mas também num trabalho mais consistente de reflexão acerca do tipo de produção intelectual presente nesse ambiente específico da sociologia do CFCH (tipo de trabalho que critico até agora como participante, como observador empirica e socialmente implicado); 2- o de poder ser anulado pelo meu “projeto crítico” que, uma vez realizada tal reflexão (a postura analítica versaria sobre questão de legitimidade de procedimentos estabelecidos, sobre maneiras de ver, encarar e fazer a sociologia e a pesquisa), expor-me-ia de maneira suicida no meu próprio meio. Vejo-me já funcionando como doença auto-degenerativa, um corpo que ao lutar contra suas próprias defesas (porque já não as reconhece como tais) e termina por aniquilar-se...
É assim que o problema sociológico se coloca também como problema social para mim. Os meus colegas de doutorado, com quem partilho idéias, momentos de amizade – na busca legítima pela realização de um trabalho de tese bem sucedido (e isso implica a aceitação da mesma na comunidade acadêmica a qual participamos, seja no que diz respeito aos procedimentos de pesquisa, seja no que tange à forma de apresentação do trabalho) –, esses colegas precisam aturar minha falta de paciência crônica com o modelo de produção e trabalho posto em nosso departamento? Teria eu como não ser crítico deles ao ser crítico de um modelo do qual fazemos parte? O ethos cordial, estaria ele aqui mordendo meus calcanhares? Ainda teria para mim o refúgio da auto-crítica, afinal também estou no bojo do que critico.
Já cansei de espernear. E não quero que meu grito saia pela culatra. A sociologia é para mim também, além de um meio de adentrar (descrevendo, explicando, compreendendo) o mundo social, um meio de sobrevivência, um trabalho, uma maneira de me inserir socialmente no mundo em que vivo. De maneira que ao meu propósito crítico deve-se ajuntar um procedimento de ordem política, duma política de sobrevivência. A “sociologia cefichiana” (pouco conhecida de fato) se constrói a meu ver de maneira autista (alheia à realidade concreta), em contato com teorias amorfas e em função delas. Dessa maneira, em nome de uma superioridade (latente) e/ou de uma anterioridade da teoria em relação à empiria (defendida[s] como verdade final e fundamental da epistemologia científica, usada[s] às vezes contra a própria ciência), esvaziam-se todos os projetos empíricos de sua importância descritiva(mesmo os estudos empíricos), e mesmo aqueles ainda em fase embrionária (quem nunca ouviu um “está faltando um marco teórico”?).
O marco teórico fica sendo o responsável pelo assassinato da pesquisa porque estipula, a priori, o mote explicativo dos fenômenos que, dessa forma, ganham inteligibilidade antes mesmo de serem estudado pelos procedimentos de pesquisa. A interpretação por estar contida no marco teórico vai impor ao pesquisar que apenas verifique ou teste se a genialidade do autor “clássico”, do “sociólogo consagrado” (normalmente porque publicou nos grandes centros de produção intelectual na Europa ou nos EUA) se encontra nos “casos” que ele se propôs estudar. Mata-se assim o potencial heuristico e criativo contido na confrontação de um problema sociológico confrontado a objetos empiricos novos. O pior acontecendo quando o objeto empírico é completamente deformado pelas lentes deturpadoras das teorias importadas que, ao serem usadas com o propósito (sempre implícito) de desmerecer o “empiricismo” e a máxima do “deixem os fatos falarem por si mesmos”, negam todo e qualquer tipo de autonomia à realidade empírica que, dessa forma, só se apresenta como elemento de manipulação mental dos pensadores.
Mas eu estou mais uma vez “chovendo no molhado” ao repetir tudo isso. Pergunto-me: mudaria essa redundância retórica se colocasse aqui análises concretas de dissertações, teses e revistas do PPGS, quantificando e descrevendo concretamente tudo isso que digo aqui de maneira vaga sem dar nome aos bois? Ou morreria eu de morte súbita?E quem de vocês duvida que essa "interpretação" que faço, oriunda apenas da experiência como doudorando, traz elementos críticos suficientes para que ao dar nomes e números a essas suposições, cometesse eu aí ato de suicídio estúpido?

6 comentários:

Anônimo disse...

João,
As inquietações e críticas relativas ao fazer sociológico do cfch e demais espaços acadêmicos brasileiros não são de modo algum (e olhe que é preciso uma força crítica muito feroz) motivo para cruzar os braços. Durante o período em que estudamos suas posturas e preocupações me pareciam muito pertinentes, mas não absolutamente verdadeiras. Se bem que você não anseia por uma verdade totalizante... Isso é coisa pra alguns marxistas (será?). Mas acredito também que como a ciência e a vida são cheias de mediações e de possibilidades de acesso a uma verdade (parcial ou total, de acordo com a perspectiva teórica de cada um) sua vontade de gritar deve sempre permanecer. Ela me fez ter um cuidado maior com o fazer sociologia, com a questão do objeto de estudo e com a própria dificuldade em fazê-lo "falar", sem que com isso aja, erro bastante cometido por aqui, que é o de pressionar nossas concepções teórico-metodológicas para que elas se adeqüem ao nosso objeto de estudo. Isso me fez escrever o trabalho da SBS passada. Então...

Anônimo disse...

João,
As inquietações e críticas relativas ao fazer sociológico do cfch e demais espaços acadêmicos brasileiros não são de modo algum (e olhe que é preciso uma força crítica muito feroz) motivo para cruzar os braços. Durante o período em que estudamos suas posturas e preocupações me pareciam muito pertinentes, mas não absolutamente verdadeiras. Se bem que você não anseia por uma verdade totalizante... Isso é coisa pra alguns marxistas (será?). Mas acredito também que como a ciência e a vida são cheias de mediações e de possibilidades de acesso a uma verdade (parcial ou total, de acordo com a perspectiva teórica de cada um) sua vontade de gritar deve sempre permanecer. Ela me fez ter um cuidado maior com o fazer sociologia, com a questão do objeto de estudo e com a própria dificuldade em fazê-lo "falar", sem que com isso haja, erro bastante cometido por aqui, que é o de pressionar nossas concepções teórico-metodológicas para que elas se adeqüem ao nosso objeto de estudo. Isso me fez escrever o trabalho da SBS passada. Então...

Anônimo disse...

Sem dúvida, o ambiente das nossas universidades parece que procura se fechar muito e infelizmente o que fica mais viável é uma luta inglória (?). Não!! Acredito e procuro aplicar o que apreendi ao longo de pouco tempo na academia, a busca por saídas nos meus trabalhos. Não tentando minha adequação ao sistema (aff, isso tá tão marxista), mas eu tenho um pé nele...
Creio que todos aqui sentiram que no CFCH (mas não só nele) muitas vezes a gente fala só. É um diálogo pouco compreensível para muitos. É um monólogo mesmo, que pode ser rico, sim! Afinal o que não se pode é calar.

Anônimo disse...

Já que o monólogo virou por mediação diálogo (viva Glaucia!), eu gostaria de perguntar: como vemos aquilo que fazemos ao produzir nossos trabalhos? Sabe Glaucia, eu queria saber o que nossos trabalhos tem de nós mesmos. Acho que esse espaço aqui pode ser ótimo para refletir nossas práticas e construir um verdadeiro diálogo sobre nossas maneiras de entender e fazer sociologia.(Já é um bom começo isso que estamos fazendo! Kali, Luiz, cadê vocês? Ânimo!) Discutir (o que não fizemos de maneira sistemática em nenhum momento em nosso doutorado, nem nos seminários!) nossos procedimentos, as coisas que fazemos para tentar dar coerência aos nossos objetos, credibilidade aos nossos argumentos, importância ao que se é estudado... O que queremos desvelar, descrever, descobrir do mundo social? Queremos com esse conhecimento mudar algo desse mundo? Se sim, como imaginamos poder fazer isso?
Para mim esse blogue seria espaço entre outras coisas para isso... robustecer de maneira crítica nossos dialogos consoantes de doutorandos em sociologia.
beijos!

Anônimo disse...

Pensar é estar doente dos olhos, já dizia Alberto Caeiro. Teorizar - no sentido cefichiano da palavra - é estar doente dos olhos. Por que ficamos todos doente dos olhos?

Uma pergunta: Há aula de etnografia no PPGS? Como descrever o mundo social e não ficar enxergando só os pontos iluminados por certas tendências críticas? Como enxergar de novo? Como ir além dos pontos-cegos? Por que a sede do concreto se desvinculou da capacidade de re-pensar a teoria? Porque a especificidade de nossas relações sociais se tornou um estorvo empiricista?

Por que, da economia à academia, estamos tão ansiosos por fazer o dever de casa? Quais são as relações de colonialismo intelectual que existe entre o totem, quer dizer, marco teórico e a prática intelectual na periferia?

É possível teorizar nos trópicos? Por que alguém estaria interessado em ler trabalhos escritos em português sobre Giddens, Bourdieu, Adorno, Marx, se a literatura sobre esses autores é exaustiva nos centros hegemônicos do saber? O que temos de novo a dizer sobre esses autores?

Responde aí, Jampa. ;o)

Anônimo disse...

Não tenho respostas, Cesar, mas, como você, muitas perguntas. E nelas inquietações a respeito de como apredemos a fazer nossos "deveres de casa". Eu tenho para mim que uma maneira séria de pensar a respeito é fazendo uma descrição minunciosa de nosso sistema de produção local, com seus esforços de teorização sobre autores e temas e objetos etc., e na medida em que essas descrições forem sendo feitas, para captar o sistema mais complexo de relação de poder entre os centros de produção intelectuais,ir contrapondo (de forma menos valorativa possivel)os tipos de conhecimento produzidos e difundidos nos grandes centros e nas periferias (Quais idéias daqui vão pra la, quem as escreve, de onde escreve, como e porque encontra respaudo? E claro o vice-versa dessas perguntas é tão importante quanto). Isso, em termos de uma reflexão sociologica mais consistente, demandaria um projeto intelectual de grande envergadura. Seria preciso folego e uma instituição com autonomia para tal empreitada. Mas o pior é que mesmo um estudo mais localizado, de pouca ambição descritiva e analitica a propria estrutura do PPGS inibe (não temos aulas de etnografia, não apredemos a usar palavras para descrever o mundo concreto, e isso porque se foge do empiricismo, do cientificismo, do positivismo etc.°), porque nossos cursos são sempre aulas sobre autores, sobre suas teorias e maneiras de ver o mundo. Nossos textos saem dessa forma (porque assim aprendemos a fazer) abarrotados de citações (que buscam nos trazer a autoridade do discurso alheio) que consomem nossa autonomia discursiva e possibilidade real de contraponto teorico. Acho que de fato a maior dificuldade a ser enfrentada para que esse trabalho minimo de critica seja realizado e tenha efeito critico real é que ao fazê-lo o que se faz é se contrapor a uma "socialização intelectual realizada" que nos impede de "aceitar" a critica porque ela descredita muito do sistema ja internalizado. Como aceitar que a maneira que aprendi a ver o mundo de maneira mais clara na verdade me impedia (para usar sua metafora) de olhar para o mundo? De maneira que mesmo aceitando o "conteudo" da critica o que se assimila dela é apenas o trajeito mau humorado do que ela diz. Para mim é exemplo disso boa parte da recepção da obra de Bourdieu no Brasil. Um sociologo lido como teorico da sociedade, como formulador das teorias do habitus e campo. Um sociologo quase sem sociologia, mas com uma teoria do mundo social. "Não existe objeto sem recorte teorico" diz a tautologia que migra questões cruciais sobre nossos porquês de trabalho e escolha de temas e objetos. Podemos efrentar essas questões realmente de frente? Eis uma questão que vejo e julgo crucial para enfrentar paralelamente aos nossos trabalhos de tese.